
São Tomás de Aquino em Glória” – Zurbarán (1631)
Em um mundo cada vez mais técnico e efêmero, torna-se essencial revisitarmos as raízes da formação humana, buscando a essência que transcende os modismos pedagógicos. A Antiguidade Clássica, com sua rica herança cultural, e a tradição multissecular da Igreja Católica nos oferecem perspectivas profundas sobre o desenvolvimento integral do indivíduo. Ao confrontarmos a Educação Homérica com a Educação Católica, podemos desvelar paralelos surpreendentes e reflexões valiosas para o nosso tempo.
Na Educação Homérica, tal como retratada nos épicos “Ilíada” e “Odisseia”, o objetivo primordial era a formação do herói, do indivíduo virtuoso que encarnava a areté – a excelência em todas as suas dimensões. Essa formação era eminentemente prática e imitativa, centrada na figura do guerreiro-nobre, modelo de coragem, honra, eloquência e piedade para com os deuses. Através da música, da poesia épica, dos exercícios físicos e do exemplo dos mais velhos, o jovem era moldado para servir à sua comunidade e alcançar a glória através de seus feitos. A transmissão de valores como a lealdade, a hospitalidade e o respeito às leis divinas era intrínseca ao processo educativo.
Por sua vez, a Educação Católica, fundamentada nos ensinamentos de Cristo e na tradição da Igreja, visa a formação do homem integral, redimido e chamado à santidade. Embora suas metodologias tenham evoluído ao longo dos séculos, a essência permanece a mesma: cultivar a fé, a razão e a virtude no indivíduo, preparando-o para a vida terrena e para a eternidade. Através do ensino da doutrina, da prática dos sacramentos, da leitura das Sagradas Escrituras e do exemplo dos santos, busca-se desenvolver a consciência moral, o amor a Deus e ao próximo, e a capacidade de discernimento. A disciplina, a busca pela verdade e o desenvolvimento do intelecto são igualmente valorizados.
Apesar das evidentes diferenças contextuais e teológicas, podemos identificar pontos de convergência notáveis. Ambas as tradições educativas reconhecem a importância da formação do caráter como pilar fundamental. A areté homérica, com sua ênfase na excelência moral e física, ecoa no ideal católico de cultivar as virtudes teologais e cardinais. Ambas valorizam a transmissão de valores essenciais para a coesão social e o florescimento humano. A honra e a lealdade do herói homérico encontram paralelo no amor e na justiça pregados pelo cristianismo.
Ademais, ambas as formas de educação reconhecem o papel crucial do modelo e da narrativa no processo de aprendizagem. Os heróis homéricos serviam como exemplos a serem emulados, assim como os santos e as figuras bíblicas na tradição católica. As histórias épicas e os relatos da vida dos santos transmitiam valores e inspiravam a busca por uma vida virtuosa.
Contudo, a grande distinção reside no propósito último da formação. Enquanto a educação homérica se concentrava na glória terrena e na perpetuação do nome através dos feitos heroicos, a educação católica transcende o horizonte temporal, visando a salvação da alma e a união com Deus. A areté homérica, embora nobre, era intrinsecamente ligada ao mundo dos homens e à sua busca por reconhecimento. A virtude católica, por sua vez, encontra seu fundamento último no amor divino e na busca pela santidade.
Em um tempo que frequentemente negligencia a profundidade da formação humana em favor da mera instrução técnica, a reflexão sobre a Educação Homérica e a Católica nos convida a repensar nossos próprios paradigmas educativos. Ambas nos lembram da importância de cultivar não apenas o intelecto, mas também o caráter, os valores e a busca por um ideal de excelência, seja ele a areté terrena ou a santidade celestial. Ao compreendermos a essência da formação humana na Antiguidade, podemos encontrar inspiração para construir um futuro onde a educação seja verdadeiramente integral e transformadora.